Em pesquisa feita pela imprensa americana, Lucille Ball foi a celebridade morta mais lembrada e elogiada pelo público. Tal honraria se deve, em grande parte, por ter estrelado a primeira sitcom da história, “I Love Lucy”, e várias séries dela derivadas. Outro bom motivo é o carisma e a irreverência dessa ruiva determinada que começou em musicais e descobriu na comédia seu porto seguro.
Nascida Lucille Desiree Ball em 06/08/1911, pisou o palco pela primeira vez aos 12 anos. Aos 15 matriculou-se em uma escola de interpretação, estudando com Bette Davis. Foi recusada por não ter talento. Tornou-se modelo e teve a breve carreira interrompida por uma crise súbita de artrite reumatoide. Recuperada, voltou a fazer algumas propagandas, pequenos shows e uma curta turnê do espetáculo “Rio Rita” como Ziegfeld Girl.
Foi então que a sorte aparentemente sorriu para ela: foi contratada pela RKO, estúdio em que trabalhou por dez anos. Em um de seus primeiros trabalhos para o cinema,”Roman Scandals”(1933), a morena natural teve os cabelos pintados de louro e as sobrancelhas raspadas. O que se seguiram foram papeis como extra em musicais de Fred e Ginger, um filme dos Três Patetas e outro dos Irmãos Marx. Seu maior papel foi em “Stage Door”(1937), ao lado de Katharine Hepburn e Ginger Rogers. Quando chegou o seu momento de brilhar, restaram-lhe apenas protagonistas de filmes de baixo orçamento, o que lhe garantiu o apelido de “Rainha dos Filmes B”, antes atribuído à Fay Wray (King Kong, 1933).
A ida para a MGM traria pequenas, mas significativas mudanças. Logo em “Du Barry was a Lady”(1943), tingiu o cabelo de ruivo, tornando-o sua marca registrada. Teve a oportunidade de trabalhar com astros como Bob Hope e Gene Kelly. Mas ainda não viam nela potencial para uma grande estrela.
Sua salvação estava no rádio. A exemplo do que fizera em outros momentos da carreira, correu para a rádio CBS. Seu programa “My Favorite Husband” era sucesso de público e de crítica, despertando a atenção de um meio de comunicação recém-nascido, mas já muito esperto: a televisão. A proposta era criar um programa em que Lucille repetisse o papel de dona-de-casa divertida. Ela aceitou, com algumas condições: que seu marido Desi Arnaz fosse seu protagonista e que a série fosse gravada em Hollywood com a tecnologia usada no cinema. Embora relutantes, os executivos da rede CBS aceitaram.
Não poderiam ter feito melhor: tinham nas mãos uma pérola, um show que inventaria todo um método de se fazer televisão. “I Love Lucy” durou seis temporadas (1951-1957) e lançou as hoje tão comuns gravações com plateias e utilizando três câmeras, técnica trazida pelo diretor de fotografia Karl Freund, que já havia trabalhado com Fritz Lang (Metropolis, 1927) e F. W. Murnau (Aurora / Sunrise, 1927).

Lucy Ricardo era uma dona-de-casa comum que virava e mexia sonhava com o estrelato e tentava alcançá-lo. Depois de várias confusões, cabia a seu marido músico Rick trazê-la de volta ao conforto do lar, ao qual ela realmente pertencia e do qual nunca devia ter saído. Essa é a moral de “I Love Lucy”. Misógina, sim, mas ao mesmo tempo um modo de não alimentar as esperanças das moças americanas. Na década de 1930 era o star-system que tornava as estrelas intocáveis e acima das pessoas comuns, na década de 1950 era Lucy que mostrava e aprendia que o sonho hollywoodiano não era alternativa para qualquer uma.
Mas o sonho era real para Lucille: naquela década teve seus dois filhos (com mais de 40 anos!) após sofrer três abortos, lucros astronômicos com a série, viu o sucesso de sua produtora Desilu, ganhou quatro prêmios Emmy. Alguns percalços surgiram também, como a investigação junto ao comitê anticomunista que descobrira seu envolvimento, incentivada pelo avô, com o Partido Comunista. Ao contrário de outros casos, o depoimento da agora grande estrela correu sigiloso e em nada resultou.
Depois do fim da sitcom no auge, seu formato foi modificado para que os episódios tivessem uma hora de duração. “The Lucy-Desi Comedy Hour” sobreviveu por mais três anos, acabando junto com o casamento de vinte anos dos atores. Ela faria mais três investidas: “The Lucy Show” (1962-1968), “Here’s Lucy” (1968-1974) e “Life with Lucy” (1986). Todas com atrapalhadas protagonistas de mesmo nome e sobrenome com as letras AR juntas (Ricardo, Barker, Carmichael e Carter), por superstição. Trabalharia ainda na Broadway e em alguns filmes de razoável sucesso, falecendo em 1989.
Carismática e empreendedora, a rainha das segundas-feiras na CBS continua parecendo a mulher comum, ou “the girl next door”. Lucille hesitou antes de aceitar a ideia de “I Love Lucy”. Querendo dar mais estabilidade ao casamento, aceitou-a. Mas disse em uma entrevista que o motivo de ter topado foi que Carole Lombard apareceu em seu sonho e disse para ela dar uma chance ao programa. Verdade ou mentira, mais uma vez Lucy mostrou-se insuperável na sagacidade.